26 de março de 2008

História & Imagens (não-ficção)

Eduardo França Paiva, 2002, Brasil

O livro integra a série “História e Reflexões”, uma coleção, publicada pela Editora Autêntica, que pretende oferecer ao leitor instrumentos que o guiem introdutoriamente nos temas lacunares da História, principalmente nos teóricos-conceituais e metodológicos do campo da História Cultural.

O autor de História & Imagens (e também idealizador da coleção) esclarece que, se antes a iconografia era usada apenas como ilustração e gravura que temperava o texto histórico, hoje ela é fonte privilegiada para a disciplina.

“A iconografia é tomada agora como registro histórico realizado por meio de ícones, de imagens pintadas, desenhadas, impressas ou imaginadas e, ainda, esculpidas, modeladas, talhadas, gravadas em material fotográfico e cinematográfico. São Registros com os quais os historiadores e professores de História devem estabelecer um diálogo contínuo. É preciso saber indagá-los e deles escutar as respostas” (p.17).

Eduardo França Paiva comenta a proposta de sua obra: “As imagens, as representações, os usos delas e as práticas culturais construídas em torno delas e por meio delas constituem [..] a linha mestra desse livro. A sua leitura crítica, que deve problematizar, contextualizar, relativizar e desconstruir, é o alvo a ser atingido. No caminho, até alcançá-lo, convido-o, leitor, a rever, a reinterpretar e a construir a história por meio dessa fonte perigosamente sedutora, uma das vedetes da historiografia mais recente, ela própria instigante e provocadora da sua própria desconstrução e de seu eterno fazer-se” (p.15).

O que a imagem nos oferece
Logo nas primeiras páginas de seu texto, o autor destaca a importância de um esforço crítico em relação à imagem. Ele lembra que apesar de seu apelo aos sentidos, a imagem é apenas um simulacro, não podendo nunca ser considerada como a realidade histórica em si. A imagem apenas traz fragmentos do real, “traços aspectos, símbolos, representações, dimensões ocultas, perspectivas, induções, códigos, cores e formas [...]. Cabe a nós decodificar os ícones, torná-los inteligíveis o mais que pudermos, identificar seus filtros e, enfim, tomá-los como testemunhos que subsidiam a nossa versão do passado e do presente, ela também, plena de filtros contemporâneos, de vazios e intencionalidades” (p.19).

História não é certeza
Em seqüência às considerações sobre a imagem e à versão histórica produzida a partir dela, Eduardo França Paiva nos oferece belas palavras sobre o caráter transitório e pantanoso da História, palavras que podem facilmente ser adaptadas para relativizar todo o conhecimento humano:

“Mas a História é isto! É a construção que não cessa, é a perpétua geração, como já se disse, sempre ocorrendo do presente para o passado. É o que garante a nossa desconfiança salutar em relação ao que se apresenta como definitivo e completo, pois sabemos que isso não existe na História, posto que inexiste na vida dos homens, que são seus construtores” (p.19).

O imaginário
Para o autor, um ponto que não pode ser levado em conta é fato de que as representações – códigos, símbolos, alegorias, etc – integram, sim, “a dimensão do real, do cotidiano, da história vivenciada”. Não existe separação entre aquilo que chamamos de mundo real e mundo imaginário, esses universos se interceptam, se sobrepõem, se confundem.

“O imaginário não é, como se poderia pensar, um mundo à parte da realidade histórica, uma espécie de nuvens carregadas de imagens e representações que pairam sobre nossas cabeças, mas que não fazem parte de nosso mundo e de nossas vidas. Ao contrário, esse campo icônico e figurativo influencia, diretamente, nossos julgamentos; nossas formas de viver; de trabalhar; de morar; de nos vestirmos; de alimentarmos; de expressarmos nossas crenças, sejam elas religiosas, políticas ou morais; de nos organizarmos em nosso cotidiano; de escolhermos nossas atividades e profissões; de construirmos nossas práticas culturais e de novamente representarmos o mundo em que vivemos, em toda sua diversidade e complexidade” (p.26-27).

A obra
História & Imagens não se esgota neste parco comentário aqui elaborado. O livro é rico em aspectos técnicos, metodológicos e conceituais, além de interessantíssimas construções históricas feitas sobre registros iconográficos. Cito algumas: desenhos que registram ocupações e formas de trabalho no Brasil do início do século XIX; o uso recorrente de animais para simbolizar o estranhamento entre continentes (domesticado e fiel, o cão, figura européia, se contrasta com o macaco, o peru, o rinoceronte, a arara e o papagaio, sinônimos de “natureza rude, selvagem, inconstante, imprevisível”); o uso da imagem como instrumento pedagógico para o cristianismo; quadros que expõem uma visão discriminadora sobre a população negra e mestiça; ou pinturas que, em outro momento histórico, passam a celebrar e valorizar expressões culturais populares de origens afro-brasileiras.

História & Imagens é “um livro sobre história cultural, que toma as representações icônicas e figurativas como pontos centrais de reflexão”, explica Eduardo França Paiva. “[...] uma reflexão sobre a recepção, a apropriação e a exploração das imagens no cotidiano, pelo público leigo e por parte dos especialistas, sobretudo por parte dos historiadores”, acrescenta.

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